A conteMPLAtiva travessia do deserto

O Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais (UNDESA) alertou hoje para as consequências negativas da pandemia em África, salientando que os impactos serão duradouros e revertem o desenvolvimento conseguido nas últimas décadas.

“O continente africano tem passado por uma crise económica sem precedentes com grandes impactos adversos no desenvolvimento a longo prazo do continente”, lê-se no relatório hoje divulgado em Nova Iorque sobre a Situação Económica e Perspectivas Mundiais, que estima que no ano passado o crescimento económico tenha regredido 3,4% e que este ano deverá avançar igualmente 3,4%, em média.

“O confinamento necessário para controlar a pandemia, a reduzida procura externa combinada com os preços baixos das matérias-primas, o colapso do turismo e a descida nas remessas desencadearam perturbações económicas severas”, alertam os peritos, notando que “apesar de a maioria dos países em África terem agido rapidamente para conter a propagação da pandemia, a maioria está severamente limitada por uma falta de recursos necessários para apoiar os sistemas de saúde, proteger a população mais vulnerável e apoiar a recuperação”.

A crise agravada pela pandemia, que já fez mais de 85 mil mortos e mais de três milhões de infectados no continente, “está a causar um aumento no desemprego, pobreza e desigualdade, o que ameaça arrasar com os ganhos em desenvolvimento nas últimas décadas”, lamenta a UNDESA, alertando que as condições de financiamento ficaram mais difíceis e os níveis de dívida pública estão a colocar sérias dificuldades aos países africanos, como Angola, Cabo Verde ou Moçambique, todos com uma dívida que representa mais de 100% do Produto Interno Bruto.

África, defendem, “precisa de um renascimento sustentado do crescimento”, já que no ano passado o crescimento per capita deve ter regressado ao nível registado há uma década devido à crise actual e ao abrandamento no crescimento que se registou desde o fim dos preços altos das matérias-primas.

“Apesar de ser necessário um foco no curto prazo, os países africanos têm, ainda assim, de semear as bases para uma trajectória de desenvolvimento inclusivo e forte a médio prazo, o que implica a criação de empregos decentes e inclusivos em larga escala”, alertam ainda os peritos da ONU.

Para isso, apontam, é inevitável “acelerar a implementação da agenda de reformas que desbloqueie as oportunidades de crescimento e as mudanças institucionais para melhorar a transparência e construir confiança no Estado de direito, bem como acções políticas nas áreas a adaptação tecnológica, resiliência climática e mobilização da receita interna”.

Em particular, a UNDESA defende que os países africanos devem dar prioridade “ao uso e difusão de tecnologias digitais, apoiados por uma expansão acessível da infra-estrutura digital universal” e, por outro lado, aproveitar as potencialidades do acordo de livre comércio, que pode ser “um grande instrumento de promoção do comércio intra-regional, segurança alimentar e produtividade”.

A nível mundial, a UNDESA estima uma quebra do PIB mundial na ordem dos 4,3% em 2020 e uma recuperação para um crescimento de 4,7% este ano.

O banco africano Ecobank anunciou no dia 23 de Abril de 2020 a contribuição de 3 milhões de dólares para a OMS e governos africanos, criando também uma plataforma com a União Africana para ajudar as pequenas e médias empresas no continente.

“O Ecobank contribuiu com 3 milhões de dólares para a luta contra a Covid-19 em África; em linha com o seu empenho no continente, fez várias contribuições para os esforços dos governos, da Organização Mundial de Saúde e para o sector privado, para aliviar o efeito da pandemia no continente mais vulnerável do mundo”, lê-se num comunicado divulgado pelo banco africano.

“A Covid-19 é uma grande ameaça mundial que está a afectar todos os países e a nossa casa, África, é particularmente vulnerável; acreditamos na importância de aumentar a consciência nas nossas comunidades, dando também poder para se protegerem a si e às suas famílias na luta contra a pandemia, e estamos particularmente cientes das necessidades das nossas comunidades, daí estarmos focados em garantir um impacto positivo nas nossas áreas urbanas e rurais”, disse o presidente do banco, Ade Ayeyemi, citado no comunicado.

Para além destes 3 milhões de dólares, cerca de 2,7 milhões de euros, o Ecobank anunciou também que, em conjunto com a Agência de Desenvolvimento da União Africana (AUDA-NEPAD), estabeleceu uma plataforma tecnológica para ajudar as pequenas e médias empresas no continente.

“As micro, pequenas e médias empresas formam uma grande parte das economias africanas, e têm pouca ou nenhuma capacidade de absorção dos efeitos da pandemia”, lê-se num comunicado do Ecobank no qual se explica que os principais objectivos são “criar uma plataforma única para lidar com os desafios e necessidades das PME”.

Por outro lado, esta plataforma informática poderá também “identificar oportunidades e maneiras inovadoras de apoiar e proteger as PME e as oportunidades de negócio, especialmente nas áreas alimentares e de agronegócio, empresas tecnológicas, entidades especializadas em saúde e nas cadeias de abastecimento”.

A fragilidade de algumas economias africanas é mais pronunciada com os efeitos da Covid-19 “e por isso a coordenação continental é essencial para apoiar as medidas nacionais tomadas pelos governos para conter a propagação do vírus no continente”, concluiu o banqueiro, Ade Ayeyemi.

De mão estendida por incompetência

Enquanto isso, o grupo dos 20 países mais frágeis (G7+) defende o alívio das dívidas públicas dos seus membros através da isenção de juros como medida de apoios aos esforços de combate à pandemia de Covid-19.

“Apoiamos o apelo de alívio da dívida destes países através da isenção de pagamento dos juros e o recurso aos mecanismos dos países pobres muito endividados (PPTE) porque a paz duradoura e a estabilidade nos países com conflitos é a chave para a paz e prosperidade mundial”, adianta, em comunicado, o G7+, cuja sede é em Díli, capital de Timor-Leste.

Nesse sentido, o grupo apelou aos parceiros de desenvolvimento que disponibilizem “recursos suficientes para apoiar os países mais frágeis nos seus esforços para conter a propagação do novo coronavírus e para recuperar do seu impacto”.

Para esta organização, que reúne 20 dos estados mais frágeis do mundo, o distanciamento social e o confinamento serão “muito difíceis de manter” devido à falta de redes de segurança económica, infra-estruturas subdesenvolvidas e à necessidade diária de sobrevivência dos cidadãos, particularmente nas zonas de conflito.

“Os países menos avançados, que dependem do trânsito ininterrupto de mercadorias, serão particularmente afectados pelo encerramento de fronteiras” aponta o G7+.

Pede, por isso, aos doadores que “respondam as necessidades destes países investindo na segurança alimentar, cooperação regional, inovação tecnológica e fontes alternativas de financiamento”.

O G7+ é composto por 20 dos estados mais frágeis do mundo, países que foram ou são afectados por conflitos ou estão em processo de transição.

A maioria dos Estados-membros da organização localiza-se em África e na Ásia e entre eles contam-se os lusófonos Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

A organização apelou ainda ao reforço do apoio das organizações humanitárias e de desenvolvimento aos sistemas de saúde nos países destes países.

“A Covid-19 está a ser uma prova dura para os sistemas de saúde de todo o mundo e os sistemas de saúde pública nos países frágeis e afectados por conflitos já estão condicionados pela falta de equipamento básico e pessoal”, refere o G7+, sustentando que se a pandemia não for travada irá “afundar os sistemas de saúde pública” nestes Estados.

A organização sublinha ainda o impacto do encerramento das fronteiras nas populações de refugiados e deslocados, apelando aos governos e organizações internacionais para que tenham em conta as suas necessidades e a sua segurança.

Folha 8 com Lusa

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